A lusofonia em xeque

Este artigo foi publicado originalmente na Revista de pós-graduação da UNICENTRO- Revista eletrônica Lato Sensu ISSN: 1980-6116. Trata-se de um artigo de conclusão de curso orientado pela Prof. Drª em
Literatura Portuguesa Natália Gomes Thimoteo.

– Não sei o que queres dizer com [essa palavra] – disse Alice. Humpty Dumpty sorriu com ar de desprezo. – Claro que não sabes, até eu te explicar… Quando uso uma palavra – disse Humpty Dumpty, num tom desdenhoso -, ela significa exatamente o que eu quero que ela signifique, nem mais, nem menos. – A questão está em saber – disse Alice – se tu podes fazer que as palavras tenham significados diferentes. – A questão está em saber – disse Humpty Dumpty – quem é que manda.
Lewis Carrol, Through the Looking Glass.

Diz-me que língua falas, dir-te-ei o estatuto que tens.
Eduardo Lourenço, A chama plural.

Se, para Carlos V, o alemão era o idioma mais adequado para se falar com cães, o espanhol para se falar com Deus e o francês com as damas; o português é o mais adequado para se falar com os sonhos. Para os portugueses nosso idioma dialoga com o sonho antigo e nostálgico de uma grande nação multicultural, espalhada pelo globo, porém unida e lingüisticamente homogênea; para o Brasil ele dialoga com o sonho de ser o país do futuro – que nunca chega -; e para os seis novos países de língua oficial portuguesa, paridos a partir da segunda metade da década de 70 e da independência sangrenta de um deles em 1999, com o sonho de soberania, de uma democracia reconhecidamente autônoma e de ter suas diferenças culturais conhecidas e reconhecidas.
A lusofonia abarca boa parte desses sonhos na figura de uma comunidade intercontinental que, a priori, trataria da língua e das culturas expressas pela língua portuguesa nos países em que é falada. Entretanto, parafraseando o já tão batido bordão shakespeariano, há muito mais coisas entre a institucionalização de língua e a realidade da língua do que sonha a nossa filosofia. As questões do ranço histórico entre a metrópole portuguesa e suas antigas colônias, do acordo ortográfico, da importância econômica e política dada à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, e da evidente falta de recursos financeiros e vontade política no que tange ao engendrarmento efetivo das engrenagens que fariam da CPLP um organismo internacional operacional ainda suscitam boas discussões.
Na Europa, a língua portuguesa é considerada, conforme aponta Fernando Cristóvão (1997), “língua rara”, e o é, principalmente em termos quantitativos. Isso se repete na América Latina, uma ilha entre o idioma espanhol e o barulho das ondas do Atlântico que rebentam na costa brasileira; na Ásia, onde é quase inaudível frente aos 95% de falantes do tétum; e na áfrica, pressionada pelos países anglófonos e fracófonos.
É certo que esse hipotético isolamento da língua portuguesa dá-se apenas nos meandros geográficos, pois, comparativamente, somente na América latina, são 186 milhões de lusófonos, que convivem com 183 milhões de espanófonos, conforme dados recentes do site http://www.indexmundi.com.
Não se pode afirmar que a lusofonia nasceu em maio de 1990, com a assinatura do Acordo Ortográfico pelos então sete países lusófonos existentes, ou com sua ratificação em 1994; muito menos se pode estabelecer 1989 ou julho de 1996, com a criação do Instituto Internacional da Língua Portuguesa ou da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, como as datas do início da lusofonia. A institucionalização de órgãos ligados a tais países, com intenções voltadas à língua ou à interação entre eles, nada tem a ver com o surgimento do fenômeno lingüístico que os envolve. É evidente que não se pode negar a ligação histórico-cultural entre os países que fazem parte da CPLP, e é evidente também que o vértice desta união é Portugal, entretanto não se deve confundir um conceito lingüístico, como a lusofonia, com arranjos político-econômicos.

O latim vulgar, modificado por aproximadamente três séculos de dominação bárbara, e quatro séculos de dominação árabe, transformou-se no “Romance Lusitano” e “Proto-Português”. A independência de Portugal em 1143 difunde o uso do que chamamos hoje de “Português Arcaico” ou “Galego Português”. E, somente em 1290, com a criação da primeira universidade de Lisboa, é que se institucionaliza a língua portuguesa. O Estatuto Geral de D. Diniz, que decretou que a “língua vulgar” passaria a se chamar “Língua Portuguesa”, assim como a CPLP, ou o Acordo Ortográfico de 1990, não criam a língua, apenas confirmam sua presença nas vidas dos indivíduos de dos Estados que a falavam e hoje a falam.
Mesmo que a língua portuguesa ficasse somente na península ibérica a lusofonia já existiria. Mas ela se espalhou pelo mundo no império português ultramarino e se instalou em quatro continentes. O que fomentou, dentro da cultura portuguesa, sua supervalorização. Para Lourenço esse é um dos pontos que fundamenta a mitologia da Saudade portuguesa: “Em nome do passado, Portugal há muito se outorgou uma percepção mundialista da história e integrou esse dado na sua particular imagem de povo universalista.”, e,“… muito à portuguesa, assimilamos as ondas dessa cultura mundialista – ou assim apresentada – como se a tivéssemos inventado.” (pág 106 e107)
Depois, a diáspora portuguesa ainda espalha, com muito menos intensidade, sua língua pelo mundo. Mas, como aponta Eduardo Lourenço, “o espaço lusófono não se confunde, na sua máxima amplitude, com a diáspora.(…) Diáspora é uma dispersão que, pela força, nos priva de pátria.”(pág. 192, 193). Ele vai além e abrange conceitos ideológicos, geográficos, políticos, culturais, econômicos e lingüísticos.
No intuito de definir esse fenômeno de nossa língua, vários autores já deitaram a caneta sobre o papel. Para Eduardo Lourenço, “A lusofonia não é nenhum reino, mesmo encartadamente folclórico. É só – e não é pouco, nem simples – aquela esfera de comunicação e compreensão determinada pelo uso da língua portuguesa com a genealogia que a distingue entre outras línguas românicas e a memória cultural que, consciente ou inconscientemente, a ela se vincula. Nesse sentido é um continente imaterial disperso pelos vários continentes onde a língua dos cancioneiros, de Fernão Lopes, de Gil Vicente, de Pero Vaz de Caminha, de João de Barros e de Camões se perpetuou essencialmente a mesma, para lhe chamarmos ainda portuguesa, e outra na modulação que o contato com novas áreas lingüísticas lhe imprimiu ao longo dos séculos.” (pág. 176)
Para Cristovão, a partir do Acordo Ortográfico, “Pode assim esboçar-se uma definição de lusofonia como um sistema de comunicação lingüístico e cultural na língua português e suas variantes lingüísticas, geográficas e sociais, pertencentes a vários povos de que ela é instrumento de expressão materna ou oficial”. (pág. 10)
Michel Pérez (2000) reúne, em seu artigo “Les enjeux de la lusophonie”, quatro pontos para tentar dar uma visão mais ampla e completa da lusofonia. Segundo ele,

“La lusophonie est un ensemble humain fondé sur une communauté linguistique :
• un ensemble linguistique né de l’histoire. Cet ensemble a trouvé sa concrétisa¬tion dans l’accord orthographique signé à Rio de Janeiro en 1990, puis ratifié en 1994 par la conférence des sept chefs d’États (à laquelle s’était jointe la délégation de la Galice). Cet accord fut de fait l’acte fondateur de la CPLP.
• un espace économique. Cet aspect confère aujourd’hui à la langue portugaise un poids important. Cependant, cet objectif n’est pas prioritaire dans la conduite de la politique des pays lusophones, politique incarnée notamment par la CPLP.
• une organisation politique. La conférence des chefs d’États allait devenir la Communauté des pays de langue portugaise : la CPLP est aujourd’hui le principal moteur de l’organisation internationale qui vise “ à promouvoir un (vaste) projet politique dont le fondement est la langue portugaise, lien historique et patrimoine commun des Sept ” (Article 3 de l’Accord du 17 juillet 1996).
• une organisation culturelle. Un grand nombre d’accords culturels tracent les bases de l’action commune aux sept pays qui manifestent ainsi leur volonté de tisser des liens étroits entre les peuples au service de l’enseigne¬ment, de la recherche et de la culture.”

Segundo Mendo Castro Henriques, em seu texto “Os três segredos da lusofonia”, publicado no sítio Portugal em linha, a lusofonia é, em primeiro lugar um “uma comunidade de afectos” – assim mesmo, com “c”, no bom português de Portugal –, em segundo lugar é uma comunidade de “objectivos políticos” e, por fim, uma comunidade de interesses. Afirma ainda que “É um erro ideológico – oriundo quer da direita quer da esquerda a que chegamos – presumir que estas três comunidades podem coincidir. É um erro cultural presumir que devem coincidir segundo um imperativo de homogeneidade, uma nova face de colonialismo. E é um erro político desejar que coincidissem. A gestão destas comunidades lusófonas só ganhará quando se liquidarem envelhecidos equívocos culturais.”
Ratzinger, antes de se tornar Bento XVI, diz que “é altamente urgente a pergunta acerca de como as culturas que entram em contato podem encontrar fundamentos éticos que possam conduzir sua comunhão ao caminho justo e construir uma configuração comum, responsável juridicamente, que dome e ordene o poder.” E quando falamos dos países lusófonos estamos falando, sim, de culturas separadas e diferentes, que se uniram em torno de um imaginário de unidade. Nas palavras de Lourenço, “ não é tanto a distância física do centro imperial de outrora que os faz outros, mas ingredientes históricos, lingüísticos, sociais, étnicos, que dão um lugar diferente a esses imaginários na galáxia supostamente ainda unida – se alguma vez foi como sonhamos – do famoso mundo que o português criou.”(pág. 195)
Em seu discurso no encontro que fundou a CPLP, o então presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, resumiu a questão em uma frase: “O fato de usarmos a mesma língua não significa que tenhamos a mesma cultura”. “E assim tocou, com dedo pesado mas certeiro, no cerne da questão. A questão é realmente de cultura ou, talvez melhor, de mitologia cultural, ou até de hermenêutica, imposta pela complexidade dos laços que o mundo lusófono suscitou.” – diz Lourenço. (pág. 169)
No que se refere à formação do Brasil, Ribeiro diz que a cultura das comunidades neo-brasileiras, palma-se sobre a língua portuguesa no plano ideológico, “que se difunde lentamente século após século, até converter-se no veículo único de comunicação das comunidades brasileiras entre si e delas como a metrópole”. É ela, pois, o instrumento da relação luso-brasileira até 1974 e, a partir de 1975, o canal mais viável para integrar os outros cinco novos países lusófonos recém independentes do imperialismo português. Nessa mescla de mitologias culturais, as relações luso-brasileiras parecem ser as que mais incomodam, tanto o lado de cá como o de lá. Conforme Lourenço, “Para o nosso mútuo presente o que seria urgente era rever, de caba a rabo, toda essa teia imaginária, hipócrita e nula nos seus efeitos, que se acoberta sob o rótulo de relações culturais entre Portugal e Brasil.” (pp. 144 – 145)
Lourenço chega a afirmar que “Nunca formaremos um conjunto, no sentido de comunidade lingüístico-cultural (nem mesmo acrescentando o contributo dos novos países africanos de expressão portuguesa) capaz de construir um pólo de influência histórico-política no mundo, como indubitavelmente será o caso dos países de expressão hispânica.” (pág. 160); e que somente para os portugueses “a lusofonia e a mitologia da Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa é imaginada como uma totalidade ideal compatível com as diferenças culturais que caracterizam cada uma das suas componentes.” (pág.182)
Tamanha descrença no sucesso da CPLP tem inequivocamente raízes históricas e ressentimentos mútuos na história dos dois países.
Segundo Lourenço, é na idade média que os falares tornam-se línguas e “cada língua signo privilegiado da identidade.” Com isso, a língua portuguesa forma a identidade portuguesa – não a brasileira, moçambicana, cabo-verdiana, quinea-bissense. O “tesouro do luso” é resultado do hibridismo – herança que vem desde a “longínqua fonte sâncrita”, passando pelo grego, o latim, “algumas vozes bárbaras das muitas que assolaram a antiga lusitânia romanizada” e “uns pós de arábica língua.” O que equivale dizer que não faz parte da “doce língua”, como pontuou Miguel Cervantes, o português temperado pelas vozes indígenas ou africanas – seja em África, seja no Brasil – ou ainda temperado por outras vozes européias modernas que vieram acompanhando as nações que tentaram firmar-se em terras brasileiras ao perceber o desmando e o descaso da metrópole frente a sua colônia sul-americana. A língua portuguesa, de Portugal, ganha, então, um viés mítico e perene.
Entretanto, ela saiu de seu altar e foi ter-se com o mundo novo e herege que se revelava aos olhos da Europa.
“A celebrada alma portuguesa pelo mundo repartida, de camoniana evocação, foi, sobretudo, língua deixada pelo mundo. Por benfazejo acaso, os portugueses, mesmo na sua hora imperial, eram demasiados fracos para “imporem”, em sentido próprio, a sua língua. Que ela seja hoje a fala de um país-continente com o Brasil ou a língua oficial de futuras grandes nações como Angola ou Moçambique (…), foi mais benevolência dos deuses e obra do tempo do que resultado de concertada política cultural.” Lourenço – pág. 122.

Saindo do terreno mítico imposto por Lourenço e partindo para a realidade econômica que formou o Brasil, o idioma português firmou-se em terras brasileiras após três séculos de presença esparsa do povo luso em seus limites, principalmente pela colaboração do negro escravo que precisava compreender a língua de seu capataz e acabava por ensiná-la aos cativos recém chegados.

“A substituição da língua geral pela portuguesa como língua materna dos brasileiros só se completaria no curso do século VXIII. Mas desde antes vinha se efetuando, de maneira mais rápida e dinâmica e, em conseqüência, onde era maior a concentração de escravos negros e de povoadores portugueses; e, mais lentamente, nas áreas economicamente marginais, como a Amazônia e o extremo sul.” (Ribeiro, 2005: 123)

Os portugueses por si sós, na figura dos açorianos transladados pelo governo português no século XVIII, de acordo com RIBEIRO, desempenharam o papel de propagação da “flor do Lácio” apenas no litoral de Santa Catarina e nas terras que margeavam o Rio Guaíba, onde sua influência foi decisiva “no aportuguesamento lingüístico e no abrasileiramento cultural” da região que era disputada entre as coroas portuguesa e espanhola.
Contudo, a transformação diacrônica de uma língua, mudança quase que imperceptível para o falante despreocupado com os rumos políticos ou econômicos que engendram o uso de sua língua, pode representar uma morte gradativa da língua para os puristas de plantão. Nesse sentido, o abrasileiramento do “tesouro luso”, e a conseqüente diluição de suas raízes culturais, também não a representam? Talvez não seja de todo errado afirmar que o sentimento por parte de alguns é exatamente esse. Lourenço afirma que

“Já nos princípios do século XVII os portugueses de lá [do Brasil] – que são na sua origem os brasileiros enquanto atores e construtores do que pouco a pouco será o Brasil – se consideravam outros (e superiores…) aos portugueses de cá. O discurso cultural brasileiro, a sua fala consciente ou inconsciente profunda, desde os livros escolares até os “esquecimentos” de um Jorge Amado, é um discurso a todos os títulos, inaceitável, mas que exprime e faz corpo não só com a pulsão grandiosa e mítica que atravessa a atual realidade brasileira e condiciona suas perspectivas hegemônicas em todos os domínios, mas também com essa rasura, já atingida, da raiz lusitana donde procede.” pág. 136

Por mais “inaceitável” que seja, aos olhos do autor, o discurso que compõe a emancipação cultural do Brasil frente a seu “descobridor” e mal colonizador e administrador é legítimo. Assim como são legítimos os versos que gritaram liberdade em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, e São Tomé e Príncipe, nas vozes de Agostinho Neto, Vasco Cabral, Marcelino dos Santos, Francisco José Tenreiro e Alda do Espírito Santo, entre outros. É certo que liberdade tardia, adubada pelo não contato das colônias portuguesas em África com os ideais iluministas e liberais do séc. XVIII, que desencadearam a onda de independências nas Américas até o primeiro quarto do século XIX. Contato não propiciado justamente pela mitologia da saudade portuguesa que atrelava suas colônias a sua pseudo-figura cosmopolita imperial ultramarina. Vale ainda dizer que, à época da independência, Portugal somente reconheceu o Brasil como um Estado soberano em 1825, por pressão dos ingleses e por meio do Tratado Luso-brasileiro
Lourenço continua, páginas a diante:

“os brasileiros têm motivos para se imaginarem, se viverem e se comportarem como se fossem filhos de si mesmos. Essa atitude não é nova. Desde o início do século XVIII que os portugueses de além-Atlântico – originalmente, os atores construtores daquilo em que, com os séculos, o Brasil se transformaria – se consideravam, se não “outros”, pelo menos “diferentes” e, sobretudo, mais civilizados do que os portugueses da metrópole.” (pág. 148 )

Essa característica de independência considerada prematura do Brasil é reafirmada por Lourenço nos seguintes termos: “O Brasil, não enquanto realidade natural (solo, clima, flora ou fauna), mas como realidade histórica, cultural e humana, nunca foi uma colônia, com um estatuto e uma relação de colonizador para com colonizado semelhantes aos que conheceram Angola, Moçambique, São Tomé, ou o Peru e o México relativamente à Espanha.” (Lourenço – pág. 149-150)
Também, talvez não seja verdade que os portugueses daqui se sentissem brasileiros ou tenham para si o mérito de construção de uma nação independente cultural e politicamente. Nas palavras de Darci Ribeiro:

“Mesmo o filho de pais brancos nascido no Brasil, mazombo, ocupando em sua própria sociedade uma posição inferior com respeito aos que vinham da metrópole, se vexava muito de sua condição de filho da terra, recusando o tratamento de nativo e discriminando o brasilíndio mameluco ao considerá-lo como índio. O primeiro brasileiro consciente de si foi, talvez, o mameluco, esse brasilíndio mestiço na carne o no espírito, que não podendo identificar-se com os que foram seus ancestrais americanos – que ele desprezava –, nem com os europeus – que os desprezavam –, e sendo objeto de mofa dos reinóis e dos lusonativos, via-se condenado à pretensão de ser o que não era nem existia: o brasileiro.” (RIBEIRO 127- 128 )

Ribeiro afirma, entretanto, que o que ele chama de “brasilianidade” possivelmente só se tenha fixado “quando a sociedade local se enriqueceu, com contribuições maciças de descendentes dos contingentes africanos, já totalmente desafricanizados pela mó aculturativa da escravidão. Esses mulatos ou eram brasileiros ou não eram nada, já que a identificação com o índio, com o africano ou com o brasilíndio era impossível.”(Ribeiro, 128 )
No mesmo sentido, uma obra alemã de 1936, de Georg Friederici, dá a tônica de que eram poucos os nascidos em Pindorama que se sentiam ontologicamente portugueses: “Os descobridores, exploradores e conquistadores do interior do Brasil não foram os portugueses, mas os brasileiros de puro sangue branco e muito especialmente brasileiros mestiços, mamelucos. E também, unidos a eles, os primitivos indígenas da terra. Todo o vasto sertão do Brasil foi descoberto e revelado à Europa, não por europeus, mas por americanos.” (Friederici, apud Holanda pág. 132)
Para Lourenço, a estratégia do Brasil para desvincular-se de Portugal “foi a de se ir esquecendo do seu natural passado, de deslocar a sua atenção cultural para as novas fontes de cultura (França, Inglaterra, mais tarde os Estados Unidos), reflexo do século XIX que não os afastava assim tanto de nós, que, indigentes também, nos comportávamos da mesma maneira em relação à Europa.” Mas tem razão em dizer que “o Brasil do séc. XIX é ainda muito português” e pretensamente muito europeu.
Para Lourenço, foi o que ele chama de “divórcio “modernista” brasileiro” (pág. 142) o que acabou de vez com o pouco vínculo que ainda nos restava. O fenômeno da auto-afirmação nacional vivida pelo Brasil desde meados de 1822, e enfatizada no início do século XX pelo movimento pré-modernista e modernista, em 1922 – com o Manifesto Antropofágico, que gritava “Contra as sublimações antagônicas. Trazidas nas caravelas. Contra a Memória fonte do costume.” –, de acordo com Lourenço, incomodam Portugal. Isso provoca, na metáfora familiar tão cara a Lourenço, a briga última que faz o filho decidir deixar o pai e andar com as próprias pernas em vez de seguir os desígnios e as tradições por ele impostas.
A figura de Portugal como “pai” do Brasil mais se assemelha a de um pai desleixado e indolente. O Brasil, como um quase órfão, cuja guarda era disputada por outros pretensos pais – mais visivelmente a Espanha e a França –, parece não poder demonstrar outro sentimento visto o abandono usurpador recebido do seu “colonizador”.
Antes tivesse sido um pai carrasco e doutrinador, mas presente como foi Espanha em suas possessões americanas. Não que seu modelo de colonização tenha sido exemplar e melhor – no sentido cristão – que o de Portugal frente à destruição da pluralidade racial, cultural e lingüística ameríndia, e não o foi, mas, como Lourenço mesmo atesta, “Amada ou detestada, a Espanha é respeitada.” por suas ex-colônias.

“Comparado aos dos castelhanos em suas conquistas, o esforço dos portugueses distingui-se principalmente pela predominância de seu caráter de exploração comercial, repetindo assim o exemplo da colonização na Antigüidade, sobretudo da fenícia e da grega; os castelhanos, ao contrário querem fazer do país ocupado um prolongamento orgânico do seu.” (Holanda pág. 98 )

Nas palavras de Frei Vicente do Salvador ‘papagaio real, pera portugal’ (Salvador ,1982: 58). Mas não é somente a característica extrativista que mais pesa em nossa argumentação. A falta de zelo com a vida cultural da colônia também expressa bem o que chamamos de desleixo:

(…) O afã de fazer das novas terras mais do que simples feitorias comerciais levou os castelhanos, algumas vezes, a começar pela cúpula a construção do edifício colonial. Já em 1538, cria-se a Universidade de São Domingos. A de São marcos, em Lima, com os privilégios, isenções e limitações da de Salamanca, é fundada por cédula real de 1551, vinte anos apenas depois de iniciada a conquista do Peru por Francisco Pizarro. Também de 1551 é a da Cidade do México, que em 1553 inaugura seus cursos. Outros institutos de ensino superior nascem ainda no século XVI e nos dois seguintes, de modo que, ao encerrar-se o período colonial, tinham sido instaladas nas diversas possessões de Castela nada menos que 23 universidades, seis das quais de primeira categoria.”pág. 98 Holanda.

Isso pode explicar o episódio de a língua geral ter tomado tamanho vulto, e durante tanto tempo, em terras brasileiras, tendo sido falada inclusive por representantes da administração colonial no Brasil.
E, de fato, na época do Brasil colônia, os interesses lingüísticos foram deixados de lado em detrimento dos econômicos e religiosos. Marcando, assim, o “império mercantil salvacionista” – na categorização de Ribeiro – do mundo ibérico nas terras ameríndias.
“Raramente, salvo em datas relativamente recentes, a chamada “expansão portuguesa” foi, com concentrado intento, “expansão lingüística”. Apesar do voto de João de Barros nesse sentido, tudo se fez “a la buena de Dios”, como dizem os espanhóis. Durante os século áureos a questão da nossa presença não se punha em terrenos lingüísticos, mas religiosos.” (Lourenço – pág. 189)
A pesquisa e aprendizado do tupi-guarani pelos jesuítas, com intento unicamente doutrinador cristão – como bem ilustrou Gilberto Freire em Casa grande e senzala –, elucidam essa prática no Brasil; assim como a vida relativamente longa que teve o nheengatu nestas terras, que surgiu com a chegada dos jesuítas e somente foi interditada oficialmente, mas não efetivamente, em 1757. Quanto ao uso da “língua geral” pelos habitantes dos núcleos coloniais neobrasileiros, diz Darci Ribeiro que:

“O idioma tupi foi a língua materna de uso corrente desses neobrasileiros até meados do século XVIII. De fato, o tupi, inicialmente, se expandiu mais que o português como a língua da civilização. (…) Com efeito, a língua geral, o nheengatu, que surge no século XVI do esforço de falar tupi com boca de português, se difunde rapidamente como a fala principal tanto dos núcleos neobrasileiros como dos núcleos missionários.”(pág. 122)

A língua geral não ficou restrita somente à faixa litorânea. Transplanta para a Amazônia, e resistindo lá em algumas comunidades até hoje, foi também o principal veículo de comunicação entre as várias populações aborígenes, “na sua maioria pertencentes a outros troncos lingüísticos”, que se “tupinizaram” e “passaram a falar a língua geral, não como um idioma indígena, mas como a fala da civilização, como ocorria então em quase todo civilização brasileira.”(Ribeiro – pág. 313) Endossa Lourenço, “nossa língua [dos portugueses], imperial de vocação, provincial de fato.”(pág. 132)
Da mesma forma, se a Casa de Avis não tinha condição ou interesse em fundar aqui universidades, e pouco se importava se a língua portuguesa era ou não algo caro a sua colônia, também não se preocupava em incentivar a costa, por si só, a se desenvolver cultural e economicamente. Isso pode ser percebido, novamente pelo contraste com as colônias castelhanas, no que se refere à imprensa e às manufaturas.

“Em todas as principais cidades da América espanhola existiam estabelecimentos gráficos por volta de 1747, o ano em que aparece no Rio de Janeiro, para logo depois ser fechada, por ordem real, a oficina de Antônio Isidoro da Fonseca. A carta régia de 5 de julho do mesmo ano, mandando seqüestrar e devolver ao Reino, por conta e risco dos donos, as “letras de imprensa”, alega não ser conveniente que no Estado do Brasil “se imprimão papeis no tempo presente, nem ser utilidade aos impressores trabalharem no seu ofício aonde as despesas são maiores que no Reino, do qual podem hir impressos os livros e papeis no mesmo tempo em que d’elles devem hir as licenças da Inquizição e do meu Conselho Ultramarino, sem as quais não se podem imprimir nem correrem as obras”.”pág. 120. Holanda.

A língua portuguesa, pois, nunca foi prioridade até a segunda metade da década de 1750. Com o passar do tempo, as mudanças econômicas mundiais que deram novo norte à política econômica de Portugal e o desencadeamento das guerras napoleônicas – com a conseqüente vinda da família real para o Brasil, a língua portuguesa tomou espaço mais efetivo no cotidiano da população. Mas a essa época já era inútil pensar em uma língua que se assemelhasse à da metrópole. Num movimento diacrônico e impossível de ser barrado, a língua absorveu os falares do povo e se abrasileirou. Algo semelhante ocorreu com a língua portuguesa nas outras colônias, com maior ou menor ênfase. Todavia, no Brasil uma nova grafia foi oficializada, furto do pensamento do início do século XX, o que fez do português uma língua com duas normas ortográficas. Pensando, logo, na possibilidade de diminuir as diferenças entre o Português Europeu e o Português Brasileiro, e na defesa da língua bem como no seu fortalecimento e prestígio internacional, é que foi assinado em 1990, por todos os estado da CPLP, o Acordo Ortográfico.
Já na assinatura do projeto de Acordo Ortográfico, em 1986, como pontua Cristovão, provocou-se “uma verdadeira tempestade cultural (…). Tempestade que tornou visíveis as contradições e fragilidades do entusiasmo anterior, pois ele guardava, no mesmo saco, realidades e ilusões, chauvinismo, patriotismo e universalismo utópico, bem como algumas lágrimas e saudades do Império colonial perdido.” (pág. 7) Deixando claro que a CPLP poderia figurar como apenas um simulacro de unidade entre os povos de língua portuguesa.
A unidade da língua portuguesa poderia muito bem ser defendida por uma ótica lingüístico-estruturalista, como o fez Silvio Elia numa comparação reducionista. Entretanto, sob este ponto de vista, também seria possível, ao aproximarem-se todas as línguas do grupo ibero-românico, defender a união de outros países da Europa ao universo luso-falante, ou então propor uma comunidade de países que têm suas línguas genealogicamente ligadas ao tronco românico, tal como o castelhano, catalão, italiano, francês, romeno e outros. Segundo Cristóvão, Elia “esboçou uma síntese admirável do mundo lusófono, conciliando as diversidades lingüísticas e culturais com a unidade estrutural do sistema lingüístico português”(pág. 10). Contudo, parece ser pouco provável, pois a metodologia estruturalista lingüística não leva em conta as diferenças que por acaso ocorram em dado registro lingüístico, ao contrário, as rejeita. Ou seja, segundo a ótica de Elia, deixando-se de lado todas as diferenças geográficas, históricas – tanto pré como pós-colonialismo português –, sociais, políticas e econômicas, somos praticamente os mesmos – tanto aqui como em Timor, ou em Guiné-Bissau e Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. Ao se pensar na lusofonia, deve-se sim levar em conta toda a carga diferenciadora que faz da língua portuguesa usada em cada um dos países dela constituinte um retrato do que as circunstâncias sociais permitiram moldar como cultura.
Lyons também afirmou que apesar das diferenças, existe o que pode ser chamado de “cerne comum” na língua.
Essa tentativa de homogeneização da língua, tanto no que se refere ao Acordo Ortográfico quanto à proposta de Elia, encaixa-se muito bem no discurso de Rajagopalam (???) e Lemos (1997).
Rajagopalan discute ferrenhamente o que o próprio autor chama de “ficção da homogeneidade lingüística”. Seu texto sustenta que o conceito de homogeneidade abriga uma proposta ideológica perigosa. E propõe o fim da prática da homogeneização, ou, nos termos de Lemos (1997), da higienização dos dados levantados para as práticas lingüísticas.
Segundo o próprio Rajagopalam, os conceitos de língua e falante de língua estão intrinsecamente ligados. Ou seja, podemos dizer que ao descartarmos certos dados da língua estamos descartando algo do falante dessa língua.
Após essas considerações o autor entra no tema de como a proposta da homogeneização se confunde com a prática da higienização. O termo higienização parece caracterizar bem o que ele chama de “proposta ideológica perigosa” da homogeneização.
Para enfatizar como a questão lingüística tem um caráter ideológico o autor cita Fairclough (1989), que levanta a pergunta: “Será que foi por um simples acaso que o surgimento do conceito de langue ocorreu num período em que o mito da “língua nacional” estava no seu auge – isto é, na virada do século XX?”. O que segue, de acordo com a citação de Pennycook (1994), é o princípio de uma homogeneização social a partir de um conceito de “língua como meio de comunicação compartilhado por membros de (…) grupos nacionais/culturais” na formação dos novos Estados no período pós-Renascentista. Fica clara a força ideológica centrada na questão da língua .
Citando novamente Fairclough, o autor a firma que o conceito de “falante de língua” também foi fabricado “com o intuito de servir interesses ideológicos muito precisos”. Entretanto esse conceito não é concebido em critérios estritamente lingüísticos. Segundo Rajagopalam, mesmo após milênios de pensamento sobre a linguagem, a lingüística é obrigada a apelar para critérios geo-políticos e ideológicos para algumas de suas definições, como por exemplo a de falante nativo.
A ideologia de que esse conceito está investido é a de “uma pureza lingüística, jamais atingível na vida real” diz Rajagopalan, “ o que se procura, em outras palavras, é o Bom Selvagem lingüístico, não contaminado pelo contato com falantes de outros idiomas”. O que o autor chama de quimera. Citando a ideologia alemã, que concebia o “puro ariano”, pureza essa que sabemos inatingível e inócua, o autor pergunta se “não seriamos capazes de cometer as mesmas atrocidades” como as cometidas em nome da pureza étnica idealizada por Hitler “em nome de um ideal lingüístico”.
Essa questão, diz o autor, já foi levantada nos termos de uma discussão sobre a pergunta “Quem é o verdadeiro dono da língua inglesa?”, sugerida por quatro autores de língua indiana. Rajagopalan aponta como essa ideologia da homogeneização opera no conceito de falante nativo, a partir das respostas advindas de vários lingüistas que se dispuseram a responder a pergunta acima. Novamente é colocada a questão da heterogeneidade que está, indubitavelmente, relacionada com a língua. O ponto central da discussão está justamente nas diferenças existentes no inglês, tendo em vista a grande abrangência territorial que essa língua alcançou na época das colonizações, e no fato dessa língua não ser mais apenas um instrumento de comunicação, mas uma mercadoria. As respostas apontam para o que já foi citado anteriormente. Poucos lingüistas apresentaram uma posição firme quanto ao conceito de falante nativo, e os que o fizeram, não descartaram seu caráter político-ideológico. Segundo Rajagopalam, o que realmente foi trazido à tona com essa discussão foi a fragilidade do conceito lingüístico. E como podemos constatar é justamente a idéia da heterogeneização que acaba fragilizando esse conceito.
No sitio “Observatório da Imprensa”, a jornalista Marisa Lajolo faz o seguinte comentário: “Não tenho a menor idéia se é verdade, mas a história foi contada como verdadeira: Rui Barbosa viajou a Portugal acompanhado da esposa, a excelentíssima senhora Maria Augusta Viana Bandeira. Em uma cerimônia, a excelentíssima comenta com o marido o sotaque português da anfitriã. A qual anfitriã, imediatamente, retruca à convidada: Sotaque, minha senhora? Que sotaque? A língua é minha e o sotaque é seu!”
Não vamos levantar aqui a questão “Quem é o verdadeiro dono da língua portuguesa?”, pois como já vimos é inútil, mas como entender a língua portuguesa no mundo globalizado é de extrema importância para presente trabalho.
Para Cristovão, e nisso concordamos, a vinculação do IILP à CPLP, em vez de resolver o problema referente á divulgação e fortalecimento da língua portuguesa em âmbito internacional, o fez ainda piorar, já que os dois objetivos fundamentais da CPLP, e conseqüentemente o repasse de verbas, são “a concentração político-diplomática entre os seus membros em matéria de relações internacionais, nomeadamente para o reforço da sua presença nos fora internacionais;” e “a cooperação em todos os domínios, inclusive os da educação, saúde, ciência e tecnologia, defesa, agricultura, administração pública, comunicações, justiça, segurança pública, cultura, desporto e comunicação social”; ficando “a materialização de projectos de promoção e difusão da Língua Portuguesa,designadamente através do Instituto Internacional de Língua Portuguesa” em terceiro plano, conforme a alínea c do artigo 3º do Regimento do Fundo Especial da CPLP . Ou seja, em 1996 a IILP existia apenas no papel, e em 2007 faltam-lhe recursos financeiros para o desenvolvimento de seus projetos, mesmo depois da aprovação, em 1999, do Fundo Especial da CPLP que teve como finalidade “apoiar Projectos que promovam os objectivos da CPLP, em especial: a. a difusão e o enriquecimento da Língua Portuguesa e o seu intercâmbio com outras Línguas Nacionais”.(art. 3º, a)
Não se pode apenas reivindicar um espaço para a língua no mundo globalizado. A ascensão de uma língua, no discurso histórico, saindo do estatuto de dialeto, passa inevitavelmente por uma mudança social. Tratar a língua com certo purismo – por si só –, sem levar-se em conta o papel efetivo dos países de Língua Portuguesa no ambiente mundializado, levará o sonho de uma expressividade da Comunidade lusófona inevitavelmente a derrocada.
O uso mais disseminado da língua portuguesa no cenário internacional, por mais que o discurso sobre a divulgação intercultural seja forte e contumaz, só se dará a partir de políticas fortes dos países lusófonos. Para Cristovão, os países da CPLP dependem ainda da esfera supranacional para promoção de seu falar: “É fora de dúvida que o português só se entende como língua internacional (…) no quadro da lusofonia (…), e que a lusofonia só tem possibilidades de êxito se for apoiada pelas estruturas da União Européia.” (Cristóvão – pág. 8 )
Conforme a política lingüística da UE, são oficiais todas as línguas faladas pela população de seus estados membros, incluindo-se não somente as oficiais, mas também as regionais. Com isso, o quadro apresentado em 1996 por Cristovão, que o autor chamou de “babelização”, está ainda mais agravado hoje, principalmente com a entrada dos 10 países do leste europeu em 2004 . O número de línguas oficiais da UE, que era de 15 em 1996, passou a 23, da quais o português faz parte. Sem contar com as discussões sobre a aceitação de algumas línguas as regionais ou ditas “minoritárias” que são provocadas por problemas internos dos países que compõem o bloco econômico no que tange as suas respectivas minorias étnicas. O principal argumento do bloco é que a pluralidade lingüística, além de facilitar a comunicação, desenvolve a tolerância e respeito para com a diversidade cultural. O ponto levantado por Critovão em 1996 é justamente este: Como pode língua portuguesa, sendo a 5ª mais falada no mundo, ter o estatus que merece, se compete com línguas menos expressivas em patamar de igualdade dentro de organismos internacionais?
Cristovão (pág.11), ao fazer alusão à interfonia, afirma que o espaço da lusofonia privilegiaria o diálogo cultural, enquanto o espaço interfônico o econômico e político. Apesar de, na prática, esse pensamento não ter se efetivado, é notório que a CPLP traz aos países de língua portuguesa uma evidência muito maior da que teria se ainda fossem países isolados.
O “Quinto Império”, primeiramente idealizado por Vieira numa perspectiva religiosa, e depois lapidado por Pessoa num “Quinto Império Cultural” propulsionado pela língua portuguesa, hoje já não é mais concebível se não o pensarmos ligado ao viés econômico que norteia as relações interestatais.
De acordo com Cristovão, “Apoiar todas as línguas, sem distinguir entre as que são faladas por centenas de milhões de pessoas, das que o são apenas por poucos milhões ou centenas de milhar; não estabelecer diferença entre as que são usadas por um, dois ou mais países em todos os continentes, não faz mais do que encorajar a ineficácia e a confusão.”(pág. 12) A política de segregação lingüística sugerida por Cristovão é, então, perigosa, falsa e extremamente envolvida pela crença de que a cultura ocidental capitalista deve suprimir as minorias. Nas palavras de Michael Howard: “L’idée partagée par les Occidentaux selon laquelle la diversité culturelle est une curiosité de l´histoire appelée à être rapidement éliminée par le développelment d’une culture mondiale anglophone, occidentale et commune, fondement de nos valeurs fondamentales, est tout simplement fausse.” Dessa forma, o autor se apropria de um discurso, já bastante conhecido e criticado, que faz parte da tradição neoliberal anglofônica.
E o contexto fica ainda pior ao lembrar-se de que em Timor Leste apenas 5% da população falava português até 2005. Seu outro idioma oficial, o tétum, se concordarmos com a argumentação do autor, deve ser tratado com menor importância, deixando de lado assim a identidade construída pelos timorenses durantes os séculos em que transitou entre o domínio português e indonésio, até conquistar, à custa de uma guerra civil, sua independência e direito a democracia.
Ao entrar para a UE, Portugal torna-se não mais livre para compartilhar integralmente do sonho lusófono – que, diga-se de passagem, de início era muito mais português que pertencente aos outros países que integram a CPLP –, pois adota a política de restrições a emigrantes dos países ex-colônias. Portugal fica entre o paradigma de fazer parte realmente do projeto da lusofonia ou não. Mas essa dúvida não envolve somente o governo português. Cabo-Verde e Guiné-Bissau aderiram à francofonia e Moçambique à Commonwealth. O Brasil, por seu turno, fica muito mais envolvido com as questões que permeiam o MERCOSUL e a implantação da ALCA. Além disso, é um princípio constitucional, no art. 4, parágrafo único, o de que “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.”
A questão econômica vem à tona novamente, pois pouco importa à UE países como Timor Leste ou Cabo-Verde, desprendidos do continente europeu e pobres, ou Angola e Moçambique, pertencentes à África do Sul e igualmente sem vulto econômico. São realidades distintas que não atravessam a casca criada pelos Estados-nação que eram fortes antes de 1914 e que, devido a seu declínio, uniram-se na Comunidade Européia.
Além disso, a entrada de Portugal na UE – apesar de ter dado certa evidência à língua portuguesa no cenário internacional – não deve ser entendida evidentemente como entrada dos países lusófonos na UE. Defender a Língua Portuguesa como uma das línguas oficiais de maior importância – em detrimento de outras menos faladas – na UE então significa, aos olhos capitalistas, o mesmo que defender o turco, o letão ou o lituano – línguas que acompanham alguns dos países que entraram a menos de quatro anos na União e, assim como Portugal, não têm representatividade econômica de vulto no cenário mundial. Ou seja, uma língua toma lugar de maior destaque, seja no campo dos negócios ou da cultura, conforme a força econômica que seu país de origem exerce sobre os outros. Nem sempre foi assim; o status do latim impôs-se durante muito tempo por questões religiosas – e também políticas, visto que a igreja católica comungou com o poder dos estados por séculos. Entretanto, com o advindo do pensamento liberal e o início do capitalismo, foram as questões econômicas que elevaram o status das línguas em âmbito mundial. Esse aspecto é reconhecido por Lourenço (pág. 132): “A Espanha, a França, a Inglaterra, que se tinham expandido fora da Europa no nosso rastro, conheciam – continuam conhecendo – uma presença lingüística mais forte e mais universal do que a nossa. Não temos que nos admirar. Todas essas nações eram e são ainda potências com meio e capital humano bem mais importantes que os do antigo reino de Portugal.”
Evidentemente, a reunião dos países africanos, logo após a sua independência – que, segundo Cristovão, “veio criar novas condições para um relacionamento institucional mais firme.”(pág. 9) –, em uma comunidade como a CPLP, assim como a aceitação de Timor Leste, após a sua estratégica escolha da língua portuguesa como idioma oficial, é de grande importância política. A comunidade, como órgão de representação dos países que a compõem, faz com que a voz dessas jovens soberanias – voz que se faz ouvir como língua portuguesa no mundo – seja mais facilmente escutada frente aos organismos internacionais dos quais os estados-faróis do mundo fazem parte.
No final dos anos 1990, antes mesmo da independência de Timor Leste, Fernando Cristovão afirmou:
“Novos impérios culturais estão a ser construídos, os das fonias, baseados nas mais importantes línguas de cultura da Europa: o inglês, o espanhol, o português, o francês, o alemão, ajudados e promovidos por poderosas economias. E com esses impérios intensificou-se um tipo de competição novo, o das <> (tradução, correção, terminologia, reconhecimento da palavra, diálogo homem-máquina, burótica, etc.) e o das <> (jornal, livro, rádio, cinema, TV, computadores, redes de satélites, etc.) condicionando fortemente tanto as decisões económicas e políticas como o diálogo ou isolamento dos países.” (pág. 8 )

Internamente, porém, a CPLP ainda enfrenta a questão das identidades culturais, que não podem ser tratadas de forma hegemônica, nem pelo Brasil nem por Portugal. Lourenço, ao propor a metáfora de três anéis que formam a lusofonia, esquece-se de que a África é um continente, não um país. O autor deixa de lado as identidades individuais de cada nação africana, não levando em consideração suas características culturais diferenciadoras. Não são três anéis que formam a lusofonia – numa tríade aliança em que cada ator representaria os papéis sacrossantos de Pai, Filho e Espírito Santo que se unem em um só corpo divino – mas sim oito elos de uma corrente que, mesmo fraca tanto política quanto economicamente, tenta prender-se às engrenagens que fazem girar o mundo globalizado do qual fazem parte cada um de seus integrantes.
Um bom exemplo de que ainda devemos nos empenhar para fazer parte do imaginário mundial como uma nação culturalmente rica nos é dado nas palavras de Antonio Candido:

“Há literaturas de que um homem não precisa sair para receber cultura e enriquecer a sensibilidade; outras que só podem ocupar uma parte de sua vida de leitor, sob pena de lhe restringirem irremediavelmente o horizonte. Assim, podemos imaginar um francês, um italiano, um inglês, um alemão, mesmo um russo e um espanhol, que só conheçam os autores de sua terra e, não obstante, encontrem neles o suficiente para elaborar a visão das coisas, experimentando as mais altas emoções literárias. Se isto já é impossível no caso de um português, o que se dirá de um brasileiro? A nossa literatura é um galho secundário da portuguesa, por sua vez arbusto de segunda ordem no jardim das musas…” (CANDIDO, pág. 9)

Isso não que dizer que devamos esquecer nossas letras, ao contrário. Mesmo admitindo que “Comparada às grandes, a nossa literatura é pequena e fraca (…) é ela, e não outra, que nos exprime.” (CANDIDO, pág. 10)
As literaturas portuguesas e brasileiras, durante boa parte de nossa história, amalgamaram-se em uma; mas, como já vimos, os caminhos culturais traçados pelas duas nações há algum tempo se separaram.
Se as “visões” ou “concepções” culturais afastam-nos de Portugal, o que dizer da nossa relação com os outros países lusófonos? Assim como “Contam-se nos dedos de uma só mão os portugueses que sabem que o Brasil é um país para o qual a antiga “mãe pátria”, Portugal, não passa de um ponto vago num mapa, o da Europa” (Lourenço, pág 146), também se contam nos dedos de uma só mão os brasileiros que sabem em que países, além de Portugal, fala-se a nossa língua.
A nossa ligação com a África é inegável, mas, preconceituosamente indesejável para alguns. Malgrado o estudo de alguns professores universitários sobre a literatura dos países africanos de língua portuguesa, pouco se houve falar e pouco se incentiva nas escolas a visão de um mundo que vai além de nossos escritores.
Para diminuir essa distância, a CPLP entra em cena como um soi-disant instrumento hábil a esse fim. A possibilidade de estreitamento de relações por meio dela, entretanto, parece ser deixada de lado quando o assunto é de vulto internacional. É o caso do projeto de cooperação Brasil-Timor Leste, assinado em 2002, que rendeu frutos tanto na área jurídica como também na área da educação. Primeiramente, o Brasil enviou Professores brasileiros para ensinar a professores locais o português. E, num segundo momento, uma equipe brasileira formada por uma juíza de São Paulo, um promotor de Justiça de Taubaté e dois defensores públicos do Rio de Janeiro. Segundo Amato, “O projeto de fortalecimento da Justiça timorense custará cerca de R$ 1 milhão, a serem divididos entre o governo brasileiro -por meio da Agência Brasileira de Cooperação (ABC)-, o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e o governo de Timor Leste.” Um outro exemplo é a Petição para Tornar Oficial o Idioma Português nas Nações Unidas, criada pelo Elos Clube Internacional e escrita por José Luís Guedes de Campos.
Acordos internacionais de promoção cultural, ou de mutua ajuda econômica, são firmados comumente entre as nações, independentemente de haver entre elas qualquer traço histórico-cultural que as uma. Mas se os países lusófonos não mobilizam suas ações por meio da CPLP e preferem relacionar-se internacionalmente por conta própria, como pensar na comunidade como um organismo forte frente à realidade mundializada?
A heterogeneidade da língua, apesar de sua raiz comum, é mesmo um entrave, segundo o qual não se pode falar então em língua portuguesa, mas sim em línguas portuguesas? É, realmente, mais interessante pensar que não existe uma Comunidade Lusófona e sim, nas palavras de Mendo Carlos Henrique, “comunidades lusófonas” que “formam uma rede entrosada de afectos, de objectivos políticos e de interesses e que se alimenta das liberdades das nações, das pessoas e das instituições.”?
A declaração do dia 5 de maio como Dia da Lusofonia pela ONU, ou a lei nº 11.310, de 12 de junho de 2006, que instituí o Dia Nacional da Língua Portuguesa a ser celebrado anualmente no dia 5 de novembro, em todo o território brasileiro – datas que poucos conhecem, e muitos menos ainda comemoram –, são apenas alguns pequenos passos no sentido da afirmação de nossa língua, tanto externa quanto internamente. Impõe-se o estabelecimento de políticas firmes e consistentes dos países que falam o português, especialmente para beneficiar os que vivem o bilingüismo, como Moçambique, Guiné-Bissau, Timor Leste e Cabo verde. Nesses países, o crioulo, o tétum, o francês e o inglês ocupam espaço importante, contudo a língua portuguesa precisa firmar-se para que não tenhamos ainda mais enfraquecidas as nossas relações.
Para Lourenço, somente quando Portugal e Brasil estiverem “mutuamente adultos” e esquecerem seus recíprocos delírios estarão prontos para efetivar a lusofonia como uma realidade política e cultural. Nas palavras do autor, “Se queremos dar algum sentido à galáxia lusófona, temos de vivê-la, na medida do possível, como inextricavelmente portuguesa, brasileira, angola, moçambicana, cabo-verdiana ou são-tomense.” (pág.111) Assim, o Brasil não se transformaria em um imenso Portugal e o Tejo não desaguaria na Guanabara – como canta Chico Buarque – mas poderíamos nos orgulhar de fazer parte de uma comunidade coerente tanto com a seus propósitos como com a realidade econômica e política mundial no qual se insere a CPLP.

Bibliografia:

CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira. 9ª ed. Belo Horizonte, Editora Itatiaia Ltda 2000.

CRISTOVÃO, Fernando. A língua Portuguesa, a União Européia, a Lusofonia e a Interfonia. Revista Lusofonia. Revista da Faculdade de Letras, n.º 21-22 – 5ª Série, 1996, 1997, PP 7-14.

HABERMAS, Jürgen; RATZINGER, Joseph. O cisma do século 21. Folha de São Paulo, São Paulo, 24.04.2005, Mais!, p. 4-5.

AMATO, Fabio. Brasil vai ajudar a reerguer Judiciário em Timor Leste. Agência Folha, São José dos Campos, 09.11.2005. p. 10.

LEMOS, Claudia T. G. de. Interrelações entre a lingüística e outras ciências. Boletim ABRALIN Nº 22, 1997.

RAJAGOPALAN, Kanavillil. A ideologia da homogeneização: reflexões concernentes á questão de heterogeneidade na lingüística. UNICAMP

SALVADOR, Frei Vicente do. 1982. História do Brasil (1500 – 1627). São Paulo, Itatiaia (Reconquista do Brasil, vol. 49).

ELIA, Silvio. A Língua Portuguesa no Mundo. São Paulo, Ática, 1989.

http://www.lusotopie.sciencespobordeaux.fr/perez.rtf

LAJOLO, Marisa. Português em debate. Uma língua e muitos sotaques. In http://www.observatorio da Imprensa.com.br/em 21/11/2006

http://www.petitiononline.com/petition.html – PETIÇÃO PARA TORNAR OFICIAL O IDIOMA PORTUGUÊS NAS NAÇÕES UNIDAS Petition to Nações Unidas (U.N.)

3 thoughts on “A lusofonia em xeque

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